*Texto enviado por Júlio Alessi
Desde o início do cinema, com os pioneiros, vários personagens marcaram a história da sétima arte. Geralmente eram os protagonistas das histórias, os heróis ou heroínas que lutam contra o mal. Essa “regra” domina grande parte dos filmes. No entanto, os vilões, os malfeitores, os loucos são renegados a serem coadjuvantes nesse processo.
Normalmente, apesar do protagonismo dos heróis, nos interessamos mais pelos personagens mais bizarros, estranhos, loucos ou violentos. Um bom exemplo disso ocorre com o filme “Laranja Mecânica” (Stanley Kubrick, 1971) no qual o personagem principal Alex (Malcolm McDowell) é um líder de uma gangue de jovens extremamente violentos, com interesses bem peculiares pela música clássica erudita, principalmente Beethoven. Apesar das atrocidades praticadas por Alex, o público se simpatiza muito com o personagem, mesmo que ele seja um anti-herói.
Kubrick foi um dos diretores a inverter, de forma fantástica, essa ordem entre o bem e o mal, dando maior destaque a esses personagens fortes e de estado psicológico alterado.
Na história do cinema, há um período que nos apresenta diversos personagens perturbadores como o Dr. Caligari e Cesare (Das Cabinet des Dr. Caligari, Robert Wiene, 1920) que tem como tema assassinatos, loucura e sonambulismo.
Esse movimento do cinema, com diversos diretores, é conhecido como Expressionismo Alemão dos anos de 1920, caracterizado por filmes de temáticas de horror (monstros, vampiros e assassinos) em um contexto distópico e disforme.
Tarantino também teve sua contribuição cinematográfica ao levar às telas do cinema personagens fortes que estão longe de serem heróis, como nos filmes Cães de Aluguel (1992), Pulp Fiction (1994), Kill Bill 1 e 2 (2003 e 2004), Bastardos Inglórios (2009), entre outros. Nesses filmes, os personagens são bandidos, assassinos profissionais, ladrões e loucos que conquistam o gosto do grande público.
Nesse contexto, temos um personagem que conquistou gerações em diversas interpretações para a TV e o cinema. Atualmente filmes com esse personagem tem lotado as salas de exibição pelo mundo. Ele é o Coringa. Sua primeira aparição no audiovisual foi com o ator Cesar Romero, na série de TV Batman (William Dozier, 1966-1968), com uma conotação mais engraçada. O segundo ator a imortalizar esse personagem marcante foi Jack Nicholson, em 1989, no filme Batman (Tim Burton). Nicholson roubou a cena em sua atuação na história atuando como um personagem muito irônico e inteligente.
Em 2008, surge a versão mais aclamada pelo público, na qual o Coringa é representado pelo ator Heath Ledger, já falecido, no filme O Cavaleiro das Trevas (Christopher Nolan). Nessa versão, temos um coringa mais sério, sádico e perturbador. A construção do personagem possui um viés mais psicológico e profundo. Nesse filme, o personagem chama mais atenção que o Batman interpretado pelo ator Christian Bale.
Já em 2016, o ator Jared Leto faz uma interpretação do Coringa no filme Esquadrão Suicida (David Ayer). Para muitos críticos, essa interpretação é uma mescla de outros personagens que o antecederam, mas com pouca profundidade. O personagem é representado de forma irônica sem a profundidade das interpretações de Nicholson e Ledger.
Em 2019 esse personagem clássico dos filmes de heróis ganha finalmente o papel principal com Joaquim Phoenix no filme Coringa (Todd Phillips). Nessa versão muito perturbadora, somos levados a uma narrativa cinematográfica angustiante, na qual cada cena do filme nos leva a acompanhar a construção de um personagem que teve uma vida de perdas, preconceitos, violência e de sonhos não realizados.
O que é mais marcante no filme é o choque de realidade ao qual somos submetidos. O personagem construído por Phoenix nos faz enxergar que temos um coringa nascendo nos submundos das grandes metrópoles do mundo, em que a desigualdade, a intolerância, a violência e a desigualdade social são muito marcantes. Esse Coringa de 2019 representa a voz desses excluídos e ignorados pela sociedade. Suas atitudes são um reflexo do ambiente em que viveu e que de certa forma o moldou.
Não podemos, a partir desse filme, afirmar que as pessoas que vivem nesses ambientes são destinadas à loucura ou a se tornarem criminosos, mas devemos refletir sobre o tipo de pessoas que estamos formando nesses contextos sociais.
O ator conseguiu criar um personagem extremamente realista, que consegue se comunicar diretamente com o público, vivenciando suas experiências de forma única, fazendo com que consigamos quase entrar em sua mente perturbada e psicótica.
Filmes como o Coringa de 2019 demonstram o poder do cinema como uma linguagem audiovisual que tem o poder de nos fazer pensar sobre nós mesmos.